quarta-feira, 22 de maio de 2013

E as portas da percepção se abrirão

Ray Mazarek por Mariana Salimena
A morte cria santos e gênios repentinamente. Após Chorão partir, muitos passaram a saber que só os loucos sabiam. Isso é da natureza humana, cometemos o pecado de estimar ou superestimar alguém depois da sua morte. Sim, na maioria das vezes só valorizamos quando perdemos, um pensamento clichê, senso comum. Não é regra, mas se aplica a muitos casos.

Já cometi este pecado muitas vezes, valorizei muito mais o James Dio depois de sua morte, por exemplo. Mas graças a Deus, consegui homenagear muitas vezes a figura que nos deixou na última segunda-feira.  Alíás, três semanas atrás celebrei a obra de Ray Mazarek  em um bar decadente no bairro Alto dos Passos em Juiz de Fora. Toquei "Love me Two Times" e "People are Strange"  acompanhado de um gordo de 220 quilos e alguns fãs de  O Rappa que não entendiam nada do que eu cantava. É claro, os Doors não falavam de "marmita amassada na mochila". Enfim...

Não fiquei triste com a morte de Mazarek. "That's life" como diria Sinatra, mantive minha serenidade. Ao invés de lamentar prefiro discutir um pouco sobre o The Doors e a estética musical inovadora que eles apresentaram nos anos 60.

Até aquele momento na história do rock and roll, o mundo viu poucas ocasiões em que o teclado era o principal instrumento de uma banda. Nos anos 50, até tivemos Jerry lee Lewis e Little Richard que arrebentavam nas teclas, mas do piano. Teclado-sintetizador-órgão como protagonista foi apenas nos anos 60.

Nesta época dourada do rock, Ray Mazarek surgiu nos Estados Unidos com um novo som poderoso que deixava a guitarra em segundo plano. Seu teclado era a alma de sua banda, sustentava o ego de Jim Morrison. Criava o palco para o patético show de dramaticidade do poeta bonitão. Talvez as apresentações escandalosas do Jim eram umas de suas armas para atrair ainda mais a atenção do público para si e ofuscar o único gênio de verdade da banda.

Morrison era um maravilhoso letrista, mas medíocre cantor e um atorzinho no palco. Se não fosse o Mazarek, o Jim Morrison talvez seria um nome perdido na poeira de sebos. O verdadeiro gênio da banda era tão importante que valia por dois. Ter Mazarek significava ter ao mesmo tempo  um tecladista virtuosíssimo e um baixista que nunca perde o fio da meada - cada mão valia por um músico. É menos um para dividir a grana, ou as atenções (risos?).

Acho que um dos poucos "erros" de Mazarek foi aceitar o fato do Jim Morrison sempre estar nas capas, transmitindo a imagem que a banda se resumia àquela bela figura - o cara aceitou o "marketing", e é claro que lucrou em cima da imagem do polêmico vocalista. Dinheiro é sempre bem vindo, mesmo que custe alguns holofotes a menos para o tecladista. Se não fosse o Morrison, talvez Mazarek também ficasse esquecido como um gênio nunca escutado. Mas acho que Mazarek poderia se impor mais...Também considero ridículo o fato do filme "The Doors" ter esse nome, devia chamar "Morrison". Poucos detalhes são mostrados sobre os outros integrantes da banda.

Sobre os acertos de Mazarek, é fácil citar vários. Timbres excêntricos que criam cenários interessantíssimos. Suas harmonias nos provocam misturas de sensações que vão do sombrio de "When The Music is Over" e o circense de "Alabama Song", só para citar as mais clássicas. Ouvir seu teclado é ser convidado a um mundo diferente: cheio de poesia, situações sombrias e metáforas absurdas. Assim como Mariana Salimena ilustra minhas palavras, Mazarek "desenhava" a poesia de Morrison por meio de sua infinita variedade de texturas sonoras.

Espero que os fãs de O Rappa que estavam me ouvindo tocar The Doors se comovam com a morte do Mazarek. Confio que eles lerão a notícia da morte de "um tal Mazarek" em algum site qualquer (pode ser este), ficarão curiosos e depois escutarão a beleza do teclado. Neste caso seria interessante que a morte os faça valorizar quem realmente mereça. Espero que a morte crie para eles um gênio repentino que mostra a arte indo além da marmita amassada, do ônibus lotado e do muro pichado na favela. Torço para que a morte abram as portas da percepção para esses caras.

Este blog falará muito mais sobre Mazarek. Por enquanto é isso. Fiquem com um vídeo dos  Doors em que Mazarek vale por três: baixista, vocalista e tecladista. A qualidade é horrível, mas é um registro histórico.



 Aqui temos mais um, já com Mazarek velhão cantando "Riders on the Storm" :

 



6 comentários:

  1. Cara, Manzarek fez o mais correto: ficar na dele. Ser o astro da banda dá muito trabalho. E permaneceu tão "calado" que ficou em um ostracismo velado (Ele, Krieger e Densmore só aparecem como nota de rodapé da banda). E, pra mim, são em caras como esse que devemos ficar atentos. (e fica aqui uma sugestão de tema pra você dissertar nesse bom espaço).

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  2. Neste ponto de vista, você tem razão. A fama é algo difícil de carregar.

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  3. Não só pela fama. Os gênios, em alguns casos, devem ficar ofuscados pelo ego de outros para que, posteriormente, as qualidades deles sejam refletidas (quiçá valorizadas) nas próximas gerações.

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  4. O cara foi foda e com certeza foi um dos pilares mais importantes, pois seus timbres nas teclas mudaram o curso das formações tradicionais e tiraram um pouco a "necessidade" da guitarra de sempre ser "o" instrumento que puxava as músicas. Alabama Song e Riders ( a chuva na gravação original foi perfeitamente inserida ) são algumas das minhas prediletas. O cara tinha uma espécie de psicodelismo maduro.
    Estão muito legais as postagens Gui!Parabéns.

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    1. Obrigado, amigo. Na próxima semana tem mais. É uma honra poder trocar ideias contigo.

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  5. Realmente gui!ele era/é foda mesmo!ah!e...dá um desconto pro jim morrison pq ele é dakeles q compram "49 real" de mortadela rsrs de tao doido(sim, pra mim ele era doido mesmo) haha...alias...eu gosto mto do Jim mas tbm gostei da indagaçao q vc fez sobre ele fazer akelas coisas pra nao ser ofuscado pelo brilho do Ray(ops!ray=raio=luz=brilho=etc...haha)

    ah! e se vc nao escolhesse "soul kitchen" como exemplo o artigo nao seria tao bom rsrs!parabens!

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